Caríssimos irmãos do Sul
Glosando e homenageando a grande Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), no décimo aniversário da sua morte:
D E R I V A (VIII)
Vi prodígios
Espantos maravilhas
Vi um país pobre
Tornado rico
No relampejar
De duas décadas
Vi as rotundas as praças as piscinas
Os centros de convívios sociais
E estádios à dezena e sem iguais
Vi um país
Subitamente deslumbrado
Com fundos
Comunitários colossais
Vi uma cidade nova
E opulenta nascer
Pelas bandas orientais
Vi gente
Vivendo endemoniadamente
Acima das suas possibilidades reais
Vi férias mil
Em terras de coqueirais
Vi dois e três automóveis
Por família
Vi casas na cidade
No campo e na praia
Vi restaurantes de luxo
Com vista para os litorais
Vi plasmas telemóveis e frigoríficos
Vi crédito fácil rápido e barato
Vi agências imobiliárias e de viagens
Brotarem como cogumelos
Vi auto-estradas pontes
E centros culturais
Vi um país endividado
Dos pés à cabeça
E de corda na garganta
Entregar o seu destino
A entidades estrangeiras
Vi conquistas civilizacionais
Direitos adquiridos
E princípios da igualdade
E da confiança
E da proporcionalidade
Plasmados loucamente
Em molduras constitucionais
Vi um Tribunal Constitucional
No papel de partidos da oposição
E defendendo
Interesses corporativos
Vi um país
Ser governado
Por simples
Decisões judiciais
Vi reformas
E prebendas milionárias
Vi horários suaves
Em empregos para a vida
Vi promoções
Por simples antiguidade
E complementos de ordenados
Por tudo
E alguma coisa mais
Vi reivindicações salariais
E outras que tais
Ilimitadamente satisfeitas
Vi dívida défice e desemprego
Para além da vida
Vi um político
Que nunca tem dúvidas
E raramente se engana
Vi a escadaria do Parlamento
Ser invadida
Por forças policiais
Num flagrante remake
Da escadaria de Odessa
Vi uma luta fratricida
Num partido que se rege
Ou devia reger-se
Por princípios fraternais
Vi famílias unidas
Dividirem-se por causa
Desse mesmo partido
Vi um banqueiro
Tornar-se dono disto tudo
Em coisa de vinte anos
Vi o mesmo banqueiro
Tornar-se pária disto tudo
Em coisa de duas semanas
Vi um respeitável ex-político
Que na meia-idade
Pôs o socialismo na gaveta
E que agora
No ocaso da vida
Alinha afanasomente
Com os que ainda brandem
A foice e o martelo
Vi um ex-militar
Que enquanto jovem e capitão
Ofereceu cravos às pessoas
E agora que já não é jovem
E é tenente-coronel
Oferece pauladas
A quem foi eleito
Para governar
Vi salas magnas
Transformadas em retiros
De nostálgicos do passado
E brigadas do reumático
De sinal contrário
Num fim-de-semana alucinante
Vi um impostor
Falsamente vindo
De areópagos mundiais
Dar baile
A jornalistas profissionais
Alguns com trinta anos
De tarimba ou mais
Vi um retornado angolano
Cheio de remorsos coloniais
E entregue
A exercícios semanais
De onanismo cinéfilo
Em artigos de jornais
Vi um arquipélago minúsculo
E insignificante
Situado em paragens tropicais
Armado em país importante
Sem se lembrar que anda
De mão estendida
Às migalhas internacionais
Vi tudo (ou quase tudo)
E o seu contrário
Só do crescimento e riqueza própria
Não vi sinais
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