Quarta-feira, 17 de Julho de 2013

SEGUNDA EPÍSTOLA DE UM ALEMÃO AOS MERIDIONAIS DA EUROPA

Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões; antes, sejais unidos, num mesmo sentido e num mesmo parecer.

 

Primeira Epístola de S. Paulo aos Coríntios, capítulo 1, versículo 10 

 

 

Caríssimos irmãos do Sul

 

    Eis-me de novo perante vós, com mais uma epístola, e num outro momento difícil das vossas vidas. Estou a pensar particularmente nos nossos irmãos lusitanos, que parecem estar em vias de deitar por terra todo um laborioso e profícuo esforço de dois anos de entrega, de sacrifícios e de renúncia. Um laborioso e profícuo esforço de austeridade, pura e dura, como mandam as boas regras ds recuperação económica e financeira, e impõem os ditames da consolidação orçamental com que esse povo maioritariamente se comprometeu, em papel passado e assinado. Recordo-vos, a este propósito, e antes de entrarmos noutras considerações, que Portugal está obrigado a cumprir as condições constantes de um programa de assistência financeira, aceite pelos três partidos do arco governativo, o Partido Socialista (PS), o Partido Social Democrata (PSD), e o Partido do Centro Democratico Social - Partido Popular (CDS - PP), em troca de um empréstimo de 78 mil milhões de euros, concedido ao país pelos seguintes organismos internacionais: Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia (CE) e Banco Central Europeu (BCE).

    Era Maio de 2011 e estava no poder o Partido Socialista, cujo Executivo, chefiado pelo Engenheiro José Sócrates, pediu o resgate internacional do país. Uma vez que os três referidos partidos concordaram que o gravíssimo estado, económico e financeiro, de Portugal justificava o resgate solicitado, e aceitaram expressamente e por escrito as suas condições, seria de toda a lógica e evidência que os mesmos partidos se entendessem, e se coligassem num governo estável e duradouro e que desse cumprimento cabal ao referido programa de assistência financeira, pelo menos até ao final da sua vigência, ou seja, até Junho de 2014. Era mais do que previsível que as medidas de austeridade seriam duríssimas e, por isso, iriam exigir um amplo consenso partidário para que fossem compreendidas e aceites pelo povo português. Infelizmente esse consenso não existiu na formação do governo saído das eleições de 2011. Esse consenso não existiu nem foi procurado. O que aconteceu foi um governo integrado apenas pelo PSD, partido vencedor minoritário das eleições, e pelo CDS - PP. Faltou o terceiro pilar desse governo, o PS, e a culpa por essa falha tão grave coube por inteiro aos três partidos que se deixaram levar pela lógica e interesses partidários e eleitoralistas. A culpa coube também, e em igual medida, ao senhor Presidente da República, que não soube ou não pôde impor o necessário entendimento entre as três formações partidárias. Por estranhos e insondáveis sortilégios, às vezes e quando menos esperamos, a vida oferece-nos a oportunidade de corrigir os nossos erros, mas sobre isso falaremos mais adiante.

    Tudo visto e ponderado, e voltando a 2011, o governo então resultante das eleições legislativas era obviamente um governo coxo e disso foi dando provas ao longo dos últimos dois anos. As medidas de austeridade, que o governo de Passos Coelho forçosamente tinha de tomar, foram saindo a ferros, e, ao mesmo tempo, foram causando enormes mossas, contestações e fricções, fora e sobretudo dentro do próprio Executivo. As medidas de austeridade foram minando e enfraquecendo o governo, no seu funcionamento e na sua credibilidade. E as debilidades do governo, por falta de apoio parlamentar, mais amplo e consensual, foram sendo cada vez maiores à medida que se avizinhavam as medidas mais prementes e talvez as mais necessárias e inevitáveis. Estamos a falar dos cortes nas despesas públicas, para já, de 4 700 milhões de euros.

    Não tenhais ilusões: foi o guião da reforma do Estado que desencadeou a actual crise política portuguesa. Ou melhor: foram os previsíveis cortes, lá onde mais doem, isto é, nas pensões, nos salários e no número de funcionários públicos que conduziram à resignação, primeiro, de Vítor Gaspar, e depois, de Paulo Portas. O primeiro sabia que o pior ainda estava para vir, e confessou de forma expressa, na sua carta de demissão, que não teria nem ambiente nem apoio de quem quer que fosse para levar a cabo tão ingente e espinhosa tarefa. O segundo aproveitou a deixa e pôs-se ao fresco, irrevogavelmente e sem dissimulações, convencido de que enquanto o pau fosse e viesse folgariam as costas, além de que, baralhando e voltando a dar, talvez acontecesse algum milagre. Aliás, folgar as costas, a par do baralhar e voltar a dar, tem sido o fadário político de Paulo Portas, nos últimos 20 anos. Recorde-se que Paulo Portas se encarregou de elaborar o guião da reforma do Estado (leia-se: cortes nos salários,  nas pensões e no número de funcionários públicos) em Fevereiro de 2013, e até hoje, que se saiba, apenas rascunhou algo de muito vago e genérico do que pode vir a ser o trabalho final e definitivo. Por falta de ideias e de competência? Por desconhecimento do que verdadeiramente está em jogo? Não, senhores! Por saber exactamente o que está em jogo. E também por medo. Medo das reacções dentro do próprio partido do Dr. Paulo Portas, o CDS - PP. Medo das reacções dentro do próprio PSD. Medo das reacções populares. Medo das reacções das centrais sindicais. Medo das reacções do PS, do PCP e do BE. E, por fim, medo das reacções do eleitorado.

    E, no entanto, do que se trata de facto é tão simples quanto isto: o Estado português arrecada anualmente em impostos 70 mil milhões de euros, e tem vindo a gastar, nomeadamente com o Estado social, qualquer coisa como 90 mil milhões de euros. Isto significa que as contas públicas portuguesas têm vindo a registar anualmente um défice de 20 mil milhões de euros. Por imposição da troika, o governo de Passos Coelho, com as dificuldades já referidas, conseguiu reduzir esse défice, desde 2011, em 10 mil milhões de euros. O que quer dizer que falta abater permanentemente mais 10 mil milhões de euros, e não 4 700 milhões de euros, como, talvez para não vos assustar, têm vindo a ser anunciados e exigidos. Este défice anual de 10 mil milhões de euros, nas contas do Estado português, constitui a verdadeira realidade da situação económica e financeira do país. A realidade crua e nua dos números. E não a realidade que os vendedores de sonhos e ilusões vos querem impingir. De resto, há que recordar-vos que a famigerada 7ª. avaliação só foi fechada pela troika, mediante uma carta do primeiro-ministro Passos Coelho em que este se comprometeu a fazer os tais cortes de 4 700 milhões de euros, embora sem precisar como e onde. A Comunicação do como,  o onde e a concretização dos cortes é o que a troika tem estado pacientemente a aguardar.   

     Foi neste quadro sombrio que o governo de Pedro Passos Coelho se desfez, com as citadas demissões, e tentou recompor-se, com a nomeação de novos ministros e redistribuições de pastas, continuando todavia a receber o apoio somente do PSD e do CDS - PP. Foi também neste quadro sombrio que o senhor Presidente da República surgiu, em comunicado de 10 de Julho último, propondo basicamente os seguintes caminhos: afastamento do cenário político de eleições antecipadas, até Junho de 2014; em substituição do actual Executivo, remodelado ou não, formação de um governo de Salvação Nacional, com a participação dos três partidos do arco do poder e signatários do programa de assistência financeira, acordado com a troika: PSD, PS e CDS - PP.

    Propostas sábias e acertadas, as do senhor Presidente da República, que só pecam por tardias, no concernente ao envolvimento do Partido Socialista na governação do país. Mas mais vale tarde do que nunca e ainda estais a tempo de emendar o mal. Propostas sábias e acertadas também por arredarem do cenário político as eleições antecipadas, no imediato, que só prejudicariam o vosso país - atrasariam em mais de seis meses a aprovação do Orçamento Geral do Estado para 2014; colocariam em banho-maria não só o guião dos 4 700 milhões de euros, como também a 8ª. e a 9ª avaliações do cumprimento do memorando de entendimento, das quais depende o pagamento da tranche de 2 700 milhões de euros. Mais e pior: a antecipação de eleições não resolveria coisíssima nenhuma em termos de clarificação do xadrez político português. Seria mais do mesmo ou algo de parecido: venceria o PS, sem maioria absoluta, que iria procurar uma coligação com o CDS - PP, reeditando talvez de forma agravada, a situação actual.

     A terminar, e voltando ao discurso do senhor Presidente da República, há que reconhecer que o Professor Cavaco Silva, além de mostrar uma enorme coragem, soube estar à altura da dramática situação que o vosso país enfrenta. O Professor Cavaco Silva recuperou a confiança e a admiração dos portugueses. Oxalá os três partidos do arco da governação, PSD, PS e CDS - PP, saibam estar também à altura das responsabilidades que sobre eles impendem, chegando ao acordo que o senhor Presidente da República lhes pede e o povo português exige e merece. Os três partidos não podem falhar, e é muito pouco provável que apareça mais uma oportunidade de ser corrigido o erro cometido, há dois anos, quando não se coligaram na formação de um governo estável e duradouro. Não há muitas alternativas a tal acordo, e se ele não for alcançado agora, ir-se-á juntar a uma grave crise económica e social uma crise política ainda mais grave e de consequências totalmente imprevisíveis. Convirá não esquecer que o segundo resgate espreita. E a Grécia também. E o regresso do escudo também.    

 

 

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

       

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

         

 

 

 

 

 

 

    

   

 

 

 

 

 

 

   

 

 

 

 

 

 

 

             

publicado por flagrantedeleite às 12:23
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