Zelig é uma película do realizador norte-americano Woody Allen, estreada em 1983. O filme é-nos mostrado através de um falso documentário, a preto e branco, e conta-nos as muitas aventuras e desventuras vividas por Zelig, um camaleão humano, ao longo dos anos 20 e 30 do século passado. Mas afinal quem é Zelig? Leonard Zelig é um pobre diabo que se viu de repente catapultado para as primeiras páginas dos jonais pelos piores motivos. Zelig é um caso invulgar de carência afectiva levada ao extremo. Por necessitar imenso de ser amado e de ser adorado, Zelig é capaz de tudo. Zelig muda de personalidade e de identidade, conforme os momentos. Numa festa da alta-roda, Zelig parece ser um aristocrata e louva os milionários, quando fala com as celebridades. Fala com devoção, sobre Coolidge e o Partido Republicano, sempre com um sotaque da classe alta de Boston. Para surpresa de todos, uma hora depois, Zelig fala com o cozinheiro. Agora afirma ser democrata e o seu sotaque é grosseiro como se fosse do povo.
Zelig muda de discurso e de aparência, de acordo com as circunstâncias. Internado no Hospital de Manhattan e sob a observação de dois médicos, Zelig torna-se um autêntico psiquiatra. Ao chegarem dois franceses, Zelig assume as suas personalidades e fala francês razoavelmente. Na companhia de um chinês, desenvolve feições orientais.
Zelig metamorfoseia-se em tudo o que o rodeia: num super-obeso, quando se encontra no meio de dois homens muito gordos; num rabino, quando colocado entre dois judeus ortodoxos; num afro-americano, quando ladeado por dois negros retintos.
Zelig surge nas situações mais improváveis: numa parada, em Nova Iorque, à direita do Mayor da cidade; na bênção, urbi et orbi, ao lado do Papa Pio XI; no palanque de um comício nazi, em Munique, logo atrás de Hitler.
A psiquiatra Eudora Fletcher, com quem Zelig se casará mais tarde, pergunta-lhe se se lembra de quando começou a imitar os que o rodeiam. Zelig responde que foi na escola. E que umas pessoas muito inteligentes lhe perguntaram se já tinha lido o Moby Dick. Teve vergonha de dizer que nunca tinha lido e mentiu, dizendo que sim.
Além desta tendência mórbida e incontrolável para o desdobramento de personalidade e talvez só por isso, Zelig quer ser, parecer e aparecer, seja onde, quando e como for. Zelig quer ter protagonismo à viva força. Zelig quer ser notícia nem que seja por más razões.
Há sujeitos que foram precursores de Zelig. Sujeitos que foram Zelig antes de este o ser. Sujeitos que foram Zelig avant la lettre. Mas também existem sujeitos que são herdeiros bem-sucedidos de Zelig. Sujeitos que dominam, com maestria, a arte do mimetismo. Sujeitos que querem aparecer, seja onde, quando e como for.
É que o aparecer, de qualquer maneira, está-lhes na massa do sangue. Faz parte do seu ADN. Para aparecerem, se for preciso, põem-se em bicos de pés. Se lhes for pedido, vendem a alma ao diabo. Se for caso disso, são capazes das maiores fraudes.
Por definição, tais sujeitos são exímios coleccionadores de conhecimentos pessoais importantes. Deliciam-se quando são apresentados a outrem. Entregam-se, sem hesitações, às práticas do convívio mundano, de preferência, selecto. Dedicam-se, sempre que podem, à errância pelo mundo.
Com toda a certeza que alguém pertencente a esta casta de gente foi apresentado a Woody Allen, e foi seguramente esse alguém que lhe inspirou o Leonard Zelig. Com Baptista da Silva deu-se o contrário: com toda a certeza, este se deleitou com o filme Zelig, e viu nesse personagem a sua alma gémea. E quem é de facto Baptista da Silva?
Artur Baptista da Silva foi apresentado ao país com as seguintes credenciais: economista, quadro da ONU, consultor do Banco Mundial e professor numa universidade americana. Num fim-de-semana alucinante, ele foi tudo e ele fez tudo. Ele foi notícia nos jornais, na rádio, na televisão, na Internet. Ele deu entrevistas. Ele fez palestras. Ele tomou parte em mesas-redondas. Ele participou em debates. Ele assinalou as causas da crise. Ele apontou o dedo acusador. Ele fez o diagnóstico. Ele indicou a terapêutica. Ele foi escutado com assombro e respeito. Ele deu as respostas que todos queriam ouvir. Ele legitimou todas as dúvidas. Ele reforçou todas as expectativas. Ele deu todas as esperanças. Ele aconteceu de facto em Portugal e já quase no fim do ano de 2012. Ele personificou tudo e todos em coisa de três dias.
Só que ele não passava de um cadastrado impenitente. Só que ele mais não era do que um refinado impostor. Um charlatão. Um farsante. Só que ele ludibriou meio mundo e quase toda a comunicação social. Só que, num ápice, ele se esvaiu e se esfumou.
De volta a Zelig, a película remata com o seguinte epílogo: Leonard Zelig e Eudora Fletcher viveram felizes muitos anos. Ela continuou a exercer psicanálise e ele dava conferências esporádicas sobre as suas experiências. As mudanças de personalidade de Zelig tornaram-se menos frequentes, até que desapareceram por completo. No seu leito de morte, Zelig disse aos médicos que tinha tido uma boa vida e que a única chatice de morrer é que tinha começado a ler o Moby Dick e queria saber como acabava.
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