Quinta-feira, 25 de Outubro de 2012

CORRENTE DE CONSCIÊNCIA - 4 (capítulo IV)

    O génio é isto, caramba. Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! O canto do cisne. O grito de Ipiranga. O Grito. A Aventura. A Noite. O Deserto Vermelho. Blow Up. O assalto ao quartel de Moncada. O assalto ao Santa Maria. O assalto ao quartel de Beja. A queda da Índia. Depois do desastre de Goa, isto ficou por conta dos Goeses. Os tipos nunca viveram tão bem. Abarbataram os melhores empregos. Na metrópole e nas colónias. A Internet tomou conta disto. Os jornais em papel estão pela hora da morte. Não sabem o que virá a seguir. Atrás de mim virá quem bom de mim fará. Deus nunca fechou uma porta que não abrisse outra. Depois de fartos, não faltam pratos. Depois do Natal, saltinho de pardal. Que tal foi a ceia, pá? Foi porreiro, pá. Só génios, éramos doze.

 

    O FILME QUE VIVEU VÁRIAS VEZES

           À nascença foi atacado pela crítica, abandonado pelo público e ignorado pelos cinéfilos. E também não foi muito reconhecido pelo pai. O trabalho em causa gozou de uma precária liberdade durante os seus primeiros 10 anos de vida. Foi o seu limbo. Devido a questões de direitos autorais, a partir dos meados da década de 1960, e acompanhado de mais quatro obras do mesmo criador, ficou impedido de circular por 20 anos. Foi o seu Purgatório. Depois de renascer, d'entre les morts, e apesar de quase esquecido, ganhou gradualmente fama, prestígio e reconhecimento. Não do pai, porque este entretanto morreu sem se reconciliar totalmente com o filho. E também sem conhecer a glória do filho. Vertigo, o filme de Alfred Hitchcock, tem hoje o mundo a seus pés: a crítica, o público e os cinéfilos.

 

   O génio é isto, caramba. A separação da Igreja do Estado. Um longo e profundo conúbio. Um longo e profundo caminho. Deus, Pátria e Família. A Concordata. Casamentos católicos sem divórcio. Como convinha. Manter a sociedade manietada. Repressão social e sexual. Cada um quer levar a água ao seu próprio moínho. Cada um puxa a brasa à sua sardinha. A sujeita vai de vento em popa. Homem pequenino, velhaco ou dançarino. O indígena. O alienígena. O nativo. O indigenato. A coisa. O coiso. Alexandre Dumas: Depois de Deus, foi Shakespeare quem mais criou. God save the Queen. Eureka. Um corpo, mergulhado num fluido, sofre da parte deste uma impulsão vertical, de baixo para cima, igual ao volume do líquido deslocadoDominique Gaston André Strauss-Kahn.

 

Chamava-se Nini

Vestia-se de organdi

E dançava, dançava

Dançava só para mim

Uma dança sem fim

Eu olhava, olhava

 

    O génio é isto, caramba. Perdemos a inocência. Nunca mais olharemos para nada da mesma maneira. Nem para a Economia. Nem para a Política. Nem para os economistas. Nem para os políticos. Nem para os jornalistas. Nem para os analistas. Nem para os politólogos. Nunca mais olharemos para nada da mesma maneira. Nem para o que comemos. Nem para o que bebemos. Nem para o que vestimos. Nem para o que usufruímos. Nada cai do céu. Tudo é produzido. Tudo deve ser produzido. Tudo deve ser o resultado do nosso trabalho. Devemos pagar tudo com o nosso trabalho. Os domingos livres. Os sábados livres. Os fins-de-semana. Os feriados. As férias. Os subsídios. As consultas. Médicas. Outras. Os tratamentos. Os medicamentos. A educação. As pensões. Não há almoço grátis. Alguém devia ter difamado Joseph K., pois, certa manhã, sem que tivese feito qualquer mal, foi preso. Tudo absurdo e por causa de um absurdo. Dominique Gaston André Strauss-Kahn. Neuville-Sur-Seine, 25 de Abril de 1949. Deu cabo da vida. Deu cabo da família. Deu cabo da carreira. Uma grande carreira pela frente! A tragédia humana. Tudo por uma mulher. Tudo por uma criada de hotel. Tudo por um prazer furtivo. Uma lágrima furtiva. Na cama que farás nela te deitarás. Candeia que vai à frente alumia duas vezes.

 

   STANLEY KUBRICK e como aprendem as crianças americanas

           Em Lolita, (Sue Lyon), esta informa o Professor Humbert (James Mason) que sabe tudo sobre os sintomas de um ataque cardíaco. Aprendeu nas Selecções do Reader's Digest. Pormenores não despiciendos: estávamos em 1961, e o diálogo ocorre num interior de um automóvel, em viagem pela estrada fora. 20 anos depois, em Shining, e de novo dentro de um carro, Danny Torrance (Danny Loyd) anuncia triunfante aos pais que o canibalismo não lhe guarda quaisquer segredos. Viu tudo na televisão. Se fosse hoje, ambas as crianças diriam: vimos tudo na Internet.

 

   O génio é isto, caramba. Para este peditório, o pessoal já deu. A história não acaba aqui. Já vimos este filme. Infelizmente. Isto não fica assim. Pois não, agora vai inchar. A guerra não durará para sempre. Não há mal que não acabe, nem bem que sempre dure. Hoje é dificil ter razão a 100%. E também é difícil não ter razão a 100%. A esquerda tem razão quando critica a austeridade pura e dura. A direita tem razão quando defende a austeridade e rejeita a política do crescimento puro e duro. A direita tem razão quando critica o regabofe consumista. A esquerda tem razão quando censura os responsáveis que incitaram ao consumo desbragado. A esquerda tem razão quando verbera a desregulação. A dirteita tem razão quando aponta o dedo às reivindicações irresponsáveis. A esquerda tem razão quando lembra que os cortes devem visar as gorduras do Estado. A direita tem razão quando objecta que os cortes devem ir para além disso. A esquerda tem razão quando se bate pelas medidas de crescimento. A direita tem razão quando advoga que as políticas de crescimento não devem excluir as medidas de austeridade. A direita tem também razão quando lembra que a falta de crescimento, num horizonte próximo e longínquo, é o nosso maior problema. Cada vez há menos pão, todos ralham e todos temos razão. Antes a morte que tal sorte. Cogito ergo sum. Conhece-te a ti próprio. De uma penada. De uma pernada. O direito de pernada. De uma cajadada. Inevitavelmente. Por mares nunca dantes navegados. O fraco rei faz fraca a forte gente. Os idos de Março.

 

   A. LOURO NUNES E O SÉCULO XIX

         O século XIX atormenta e persegue A. Louro Nunes. É no século XIX que A. Louro Nunes sente ter sido romancista. Entre os trinta génios, como ele, é claro. A. Louro Nunes adoraria imenso viajar por essa Europa fora, no século XIX, e nas diligências do século XIX. De preferência, acompanhado de sumidades como Flaubert, Balzac, Stendhal, Dickens, e muitos outros, num tu-cá-tu-lá sobre tudo e mais alguma coisa. Sobre os progressos da ciência. Sobre os novos inventos. Mas sobretudo acerca da literatura europeia do século XIX. A. Louro Nunes só admite viver no século XXI, se for para contemplar a sua própria eternidade, ganha com os seus grandes romances escritos no século XIX. É dessa forma que A. Louro Nunes morreria em paz, realizado e de bem com a sua própria consciência. Com o Nobel ou sem ele.  

 

    O génio é isto, caramba. O evolucionismo. Ainda há quem resista. Os criacionistas. Uns ignorantes. Uns cretinos. Uns cavernícolas. Julgam-se superiores aos macacos. O planeta dos macacos. As nossas origens. A Caixa de Pandora. Fedora. Isadora. o Holandês errante. 7 de Julho de 1973. Levou-a uma série de vezes às termas. O seu grande sonho. Mostrou-lhe o país de lés a lés. Nemo plus juris in alium transfere podest quam ipset habet. As praias. O estrangeiro. Aparentemente. Os hotéis. Os aviões. Um empenho. Uma cunha. Uma coda. Uma côdea. Engrenam-se como rodas dentadas. Diz-me os teus pecados, menino. Não me lembro de nenhum  pecado, senhor padre. Só me lembro da D. Isaura. O que é que a D. Isaura tem a ver com isto? Não me puxe pela língua, senhor padre. Vou fazer queixa à tua mãe. O senhor padre não pode violar o segredo da confissão. Tire o cavalinho da chuva. Who are you? Valia mais ser rainha uma hora do que duquesa toda a vida. Os vencidos da vida. Não sente pena de não ter sido preso pala PIDE? Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: "Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames". Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem. Cascais é o sonho de uma certa classe média lisboeta. E também de uma certa classe média ao sul do Tejo. Das valetas alentejanas ao céu estrelado de Cascais. Ah, Cascais! A nossa perdição! A perdição de todos nós. O remorso de todos nós. A classe média no seu labirinto. Quando ele fala, solta os seus demónios todos. Quando escreve, abafa-os. Who are we? Uns peneirentos. Uns presunçosos. Num corpo feito de nove buracos. Qual deles o mais vital! Um corpo esburacado. Um corpo feito de emissões. De secressões. De excressões. A fartura faz a bravura. Matadouro sete.

 

   CORPOS QUE CAEM

           Com a enorme subtileza, que se lhes conhece, os brasileiros deram a Vertigo, de Alfred Hitchcock, o título de Um Corpo Que Cai. Curiosamente o que há mais no filme são corpos que caem: nada menos de cinco. Vejamo-los: o do polícia, no prólogo e perseguição nocturna, sobre os telhados de S. Francisco; o de Madeleine/Judy Barton (Kim Novak), na baía de S. Francisco; o de John Ferguson (James Stewart), na baía de S. Francisco, para salvar Madeleine/Judy Barton; o de Madeleine (a própria), do alto do campanário; e, finalmente, o de Judy Barton (a própria) do alto do mesmo campanário. Em todas estas quedas de corpos, há sempre uma testemunha presente: John Ferguson, ele próprio permanentemente aterrorizado pela ameaça de queda iminente. Com tantos corpos a cair, apetece perguntar aos nossos irmãos brasileiros a qual deles se referem  quando falam num corpo que cai. 

 

 

 

 

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Quinta-feira, 18 de Outubro de 2012

CORRENTE DE CONSCIÊNCIA - 3 (canto nono)

    Agarrem-me, senão eu saio da coligação! O povo não aguenta mais. Há que saber interpretar os sinais. Quando aquela putéfia ameaçou o teu posto de trabalho, fiquei com a pulga atrás da orelha. Foi um mau sinal. A juventude é uma coisa demasiado preciosa para estar nas mãos dos jovens. Toma cautela com o que desejas na juventude, porque podes obtê-lo na meia-idade. Cuidado com os teus sonhos, porque eles podem concretizar-se. Nada de interiores! Ele só come o que está à superfície dos animais, exceptuando as penas e os pêlos, é claro. Nada de miudezas. Nem o fígado. Nem os rins. Nem as tripas. Nem o coração. Nem os pulmões. Nem a moela. Nem os miolos. Nada de interiores. Ele vangloria-se de ser vegetariano não praticante. Também eu. O Eixo da Meia-Noite. És a rainha da noite. Já foste! O mundo à minha procura. Parece que ela leva para casa mais de 20 mil. Todos os meses. Depois dos impostos. Actuais e futuros. Como assim? É só fazer as contas de somar. O vencimento-base. As crónicas. Os comentários. Aqui e ali. Etc. e tal e coisa. Ficar bem na fotografia.  Dar nas vistas. Ela arranja-se muito bem. Não tem nada fora do sítio. Nem um Catroga. Prova de vida. É o que todos querem fazer. Não há coincidências. Ratos de cinemateca. A desindustrialização. O consumo. O consumismo. O casinismo.O canibalismo. O altruísmo. O truísmo. O turismo. O liberalismo. O neoliberalismo. O neoconservadorismo. Os Chineses deram cabo disto. E os Indianos, também. E os Brasileiros, também. A desregulação, também. A globalização, também. Os preços dos combustíveis, também. Os bancos já não emprestam dinheiro. À beira do abismo. À beira do precipício. À beira da Grécia. Deus escreve direito por linhas tortas. De minimis non curat praetor.

 

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,

E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

De ser inteligente para entre a família,

E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.  (...)

 

    O génio é isto, caramba. Foi porreiro, pá. Que tal foi a ceia, pá? Foi tudo muita porreiro, pá. Só génios, eramos doze. Todos são críticos de cinema. E médicos, também. E advogados, também. E solicitadores, também. E economistas, também. E sociólogos, também. E psicólgos, também. E engenheiros, também. E loucos, também.

   - Você é licenciado em quê?

    - Eu?! Em nada!

    - Então porque é que aceita que o tratem por doutor?

    - Soa bem e não faz mal a ninguém.

     Acabou o crédito fácil, rápido e barato. Todos quiseram ser agentes imobiliários. E logistas, também. E donos de restaurantes, também. E donos de cafés, também. E donos de mercearias, também. E decoradores, também. E chefes de cozinha, também. E técnicos de contas, também. E vendedores de automóveis, também. E mestres-de-obras, também. E jornalistas, também. E farmacêuticos, também. E dentistas, também. E enfermeiros, também. Acabou o crédito fácil, rápido e barato. E o arraial, também. Agora, fecham as portas 25 empresas por dia.

 

(...) (Come chocolates, pequena;

Come chocolates!

Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.

Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.

Come, pequena suja, come!

Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,

Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)  (...)

 

    O génio é isto, caramba. Foi um ver se te avias. Deu-lhe a mosca. Deu no que deu. Deu nisto. Deu o quinto. Deu tudo e mais alguma coisa. Foi chão que deu uvas. Foi bananeira que deu cacho. Deu com os burrinhos na água. Deu o litro. Deu o coco. Deu à costa. Deu-se conta. Deu pró torto. Deu-lhe para isso. E ele a dar-lhe. Deus dá nozes a quem não tem dentes. A procissão ainda vai no adro. Ainda não vimos nem metade da missa. Até ao lavar da cesta é a vindima. Parturiunt montes, nascetur ridiculus mus. Passou as passas do Algarve. Comeu o pão que o diabo amassou. Pagou com língua de palmo. Quem dá o pão, dá o pau. Com muito prazer. O prazer é todo meu. Ele é um desmancha-prazeres. Sem tecto entre ruínas. Nas ruínas de Berlim. Até ao fim. Até à eternidade. Até à rendição incondicional. O século das luzes. O século do povo. O século de Sartre. Marx disse. Eça de Queirós disse. Fernando Pessoa dise. Camões disse. Salazar disse. Cortaram-lhe o cartão de crédito. Cesteiro que faz um cesto, faz um cento. O carteiro toca sempre duas vezes. Ela ficou com a conta a descoberto. Nunca mais pôs lá os cotos. Foi pró maneta. O gajo era um general francês. Um granda cabrão. História Concisa de Portugal. Um homem não chora. A montanha pariu um rato.

 

Sou do Benfica

E isso me envaidece

Tenho a genica

Que a qualquer engrandece

Sou de um clube lutador

Que na luta com fervor

Nunca encontrou rival

Neste nosso Portugal

 

 

     O génio é isto, caramba. Foi um negócio ruinoso. O sujeito está nas lonas. Deus escreve direito por linhas tortas. O cavalheiro está mesmo de tanga. Há mais marés que marinheiros. Há vida para além do défice. O gajo foi apanhado de calças na mão. Literalmente. Mariani. Poço de Boliqueime. Fonte de Boliqueime. Quinta da Coelha. Elian. Paradoxalmente. Direito adquirido. A Constituição. O pantomineiro. O parlapatão. O parlapatão padrificado. O parlapatão petrificado. O paralapatão purificado. O parlapatão putrificado. Tão amigos que eles eram! Despachavam dúzias de pastéis de nata. Numa tarde. Que saudades! Diz-se que ele foi o criador da criatura. Foi a sua vingança. O seu Némesis. O gajo não admite que lhe façam frente. A velhice é uma coisa triste. Ele pôs-se a jeito. Ele pôs-se nela. Pusemo-nos todos a jeito. Gastámos mais do que podíamos. Gastámos mais do que devíamos. Cala-te boca. Não se pode dizer isso. Há quem não goste que se diga. A cigarra e a formiga. As fábulas. As fabulosas. Os flibusteiros. Capitão Blood. Capitão Wyatt. Capitão Grant. Capitão Hatteras. Capitão Roby. Capitão América. Capitão de Castela. Capitão Henrique Galvão. Capitão Santos Costa. Capitão Vasco Lourenço. Quem come e guarda, duas vezes vai à mesa. Um ninho de vespas. Um ninho de víboras. O capuchinho vermelho. O capachinho vermelho. O Almirante vermelho. O barão vermelho. O General sem medo. Obviamente, demito-o! Força, força, companheiro Vasco! Irmão contra irmão. O Almirante sem medo. Não gosto de ser sequestrado. Ser sequestrado é uma coisa que me chateia. Isto foi para corrigir o que estava mal. Isto vai acabar mal! A bem ou a mal. Saímos do Euro? Renegociamos? Há quem fale nisto em privado. Até já há um livro sobre o assunto. E depois? Vamos recuar 40 anos.

 

     SAUDADES

        Ultrapassagem, (1962), um filme de Dino Risi, dá-nos conta de um tempo risonho e optimista. De um tempo de inocência. De um tempo sem dúvidas nem dívidas. De um tempo em que ainda havia futuro, e o futuro estava ao virar da esquina. De um tempo em que não se conhecia nem o politicamente correcto nem o politicamente incorrecto. De um tempo em que se compravam, num restaurante, não um maço, mas uma ou duas carteiras de cigarros, e, que, depois do almoço, se levavam debaixo do braço. De um tempo em que se praticava a condução, a seguir à libação. De um  tempo excessivo e público em tudo: tabaco, álcool, velocidade, engate, sexo, comida, música, dança. De um tempo em que nada era proibido e nada fazia mal. De um tempo em que um homem podia viver de expedientes e ninguém se importava. Enfim, de um tempo em que o curso de Direito dava  a segurança e a tranquilidade de um Fiat 1500. Sem o saber, ou talvez sabendo-o, Dino Risi estava a remeter-nos para um tempo que em breve iria acabar, e do qual, já em tempos sombrios e de dogmas, a valer e a doer, provavelmente iriamos todos ter saudades.     

 

     O génio é isto, caramba. Plasmado na lei. Dura lex sed lex. Senão vejamos. Senão. Se. A lei é igual para todos. Princípio da equidade. O desconhecimento da lei não aproveita a ninguém. Salvo melhor opinião. Salvo melhor. Salvo. S.M.O. SOP. SOS. Save our souls. Este é o meu parecer. Ela ainda recebe o subsídio de desemprego? Não falta muito. Termos em que as acusações devem ser consideradas improcedentes, por não provadas. Pois, assim decidindo, se fará JUSTIÇA. Cum grano salis. A gaja pôs-se a jeito. Ela só fala do penúltimo emprego. Ela não diz uma única  palavra acerca do último emprego. A indivídua odeia o último emprego. Uma vaidosona, é o que ela é. A velhice é uma coisa triste. É tão simples como isto. Se ela tem a reforma que tem, deve-o ao último emprego, e não ao penúltimo de que tanto fala. Resistência passiva. O tipo está a pagar pelas maldades todas. Faltou-nos o Feudalismo. E os castelos? Pertenciam às ordens religiosas e militares. Faltou-nos também uma classe dirigente forte. Faltou-nos a elite. Foi por não haver uma classe dirigente forte que a classe média tomou conta disto. As sociedades são como a Natureza: têm horror ao vazio. Precisam de uma classe qualquer que as dirija. Ou de uma pessoa qualquer. Aqui é que a porca torce o rabo. O país é pobre. Falta tudo. Falta agricultura. Faltam as pescas. Faltam as matérias-primas. O gajo sabia disto tudo. O gajo conhecia bem o seu próprio país, e não tinha muitas ilusões. Foi por isso que ele se agarrou com unhas e dentes às colónias. Sei muito bem o que quero e para onde vou. E os reis, também. Daí as aventuras coloniais. Vamos regressar à emigração. Já regressámos à emigração. É o nosso triste fado. Ó rua do Capelão, juncada de rosmaninho. Há mar e mar, há ir e voltar. A verdade a que temos direito. Vade retro satanás. Vá de metro satanás. Os quatrocentos golpes. Trinta por uma linha. Agarrem-me, senão eu saio da coligação!

 

    Com Ulisses a literatura adquire, tal como a ciência, o poder de ordenar o universo e de o resumir numa síntese grandiosa e definitiva. Caracteres, ambientes, situações, tudo se reveste de um valor alegórico seguindo as leis da própria natureza. Enigma, Ulisses convida o leitor a distinguir a causa do efeito, a verdade da aparência, tentativa audaciosa que submete o romance à revolução que Freud tinha imposto na psicologia, Marx na economia, Einstein na física e não é por acaso que a obra se fixa sobre os três planos fundamentais, o indivíduo, a sociedade e o cosmos, pondo a claro os conflitos do modernismo, o papel do inconsciente e a relação dos fenómenos. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

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Quinta-feira, 11 de Outubro de 2012

CORRENTE DE CONSCIÊNCIA (episódio 2)

           Senhor,

A teu pés me confesso:

           - Senhor,

Meu amor maltatrei!

           - Senhor,

Se perdão aqui peço,

          Não mereço!

          - Senhor,

Meu amor desprezei

          E pequei!

 

     O país dos brandos costumes está perdendo a paciência. O governo tem de explicar melhor as medidas. Se forem bem explicadas, as medidas, sejam elas quais forem, tornam-se mais aceitáveis. As malfeitorias, desde que bem explicadas, deixam de ser malfeitorias. Passam a ser benfeitorias. Pensamento positivo. Os nossos valores. Os nossos heróis. A Pátria não se discute. Resumindo: António José Seguro suspirou de alívio.

  - Senhor Dr. Juiz, eu vinha a passar em frente ao clube nocturno, quando tudo aconteceu. Era perto da meia-noite.

   - Ah, sim? Saiba o senhor que, a essa hora, eu dormia tranquilamente em minha casa.

     Resumindo: a noite é um lugar perigoso. Resumindo: suspirámos todos de alívio.      

     

      OS MAL-AMADOS

     16 de Junho de 1904. O Bloomsday. Alexandre O'Neill disse que Portugal era "questão que eu tenho comigo mesmo". James Joyce terá pensado, dito e escrito o mesmo acerca da Irlanda. Joyce tinha uma relação de amor-ódio com a Irlanda. Ele odiou tudo o que os seus compatriotas mais amaram e acarinharam: a independência da Irlanda, a língua gaélica e a religião católica. É difícil haver maior abismo do que aquele que separou James Joyce dos Irlandeses. É isso que explica, em grande medida, o seu auto-exílio precoce, amargo, desencantado, definitivo. Exílio durante o qual Joyce escreveu Ulisses, a sua obra máxima, a sua Némesis, a sua lição magistral em língua inglesa. Contra Gregos e Troianos.

 

     O génio é isto, caramba. O Sporting está pela da hora da morte. Os gajos não se safam. Assim, eles não vão lá. O tipo deu a cara, o couro e o cabelo. Azeite puro de oliveira. 1 de Abril de 1944. O meu vinho é melhor do que o teu. O nosso vinho é o melhor do mundo. Aprecio mais o vinho industrial do que o caseiro. E as nossas praias, também. E as nossas gajas, também. Portugal está na moda! Modelação. Modulação. Moderação. Modificação. Monotorização. Modernização. Mitigação. Minimização. Suavização. Aliviação. Aviação. Para o bem e para o mal. Mais do mesmo. Ele tem uma agenda escondida. 19 de Março de 1942. Não há nada como a comida portuguesa. Exceptuando os fritos, os guisados e os assados. O que é que resta? Os pastéis de nata. Armaram um valente salsifré. África noutra banda. Em Almada. No Vale da Amoreira. E o Jeep? 16 de Novembro de 1975. Na Amadora. Mama suma! Não sou cego nem surdo. Ele é católico. Ele tem bom fundo. Ele tem preocupações sociais. E os não-católicos? Não tem preocupações sociais? É preciso esclarecer as coisas. E os protestantes? E os ateus? A César o que é de César. A luta continua! Balsemão para a rua! 7 de Julho de 1973. Anda tudo à rasca. O buraco em que os Portugueses se meteram. O buraco orçamental. Um-banco-vendido-por-40-milhões-de-euros. Assim, também eu era banqueiro. Anda tudo aos saldos. Ao desbarato. Na pedincha. Na pechincha. Legionários, quem vive? Portugal, Portugal, Portugal. Legionários, quem manda? Salazar, Salazar, Salazar. Nas nossas ruas, ao anoitecer, Há tal soturnidade, há tal melancolia, Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia, Despertam-me um desejo absurdo de sofrer. O génio é isto, caramba. A Bem da Nação. E o romance que ela prometeu? Cala-te boca!           

 

        JOYCE, NORA E OS OUTROS

        Alguém disse que o melhor epitáfio de James Joyce pertence à mulher, Nora Barnacle, semi-analfabeta e ex-criada de servir, que, aliás, nunca leu os livros do escritor. Interrogada sobre como tinham sido as suas relações com as grandes figuras literárias, que conhecera através do marido, respondeu: quando se é casada com o maior escritor do mundo, não é possível recordar os outros.

 

    O génio é isto, caramba. Deus escreve direito por linhas tortas. Não me puxes pela língua. Isto vai acabar mal! O amor é uma cobiça que entra pelos olhos e sai pela rima. É só desgraças.

 

We'll meet again

Don't know where

Don't know when

But I know

We'll meet again

Some sunny day

 

Keep smiling thru

Just like you

Always do

Till the blue skies drive

The dark clouds

Far away

 

     Logo vi! Aquilo não podia vir só do escritório. Aquilo não era só advocacia. Eram luxos e ostentações a mais. O gajo era um simples funcionário público, e, da noite para o dia, ficou rico. De um dia para o outro, deixou o Estado e "ficou só com o escritório". Ele diz que tem muitas avenças. Ele é que diz? Quais avenças, quais carapuças! Avenças é o que todos dizem. Avenças, dou-lhe eu. Ele que vá enganar os anjinhos. Também andei no ramo, e, consequentemente, sei o que se passa. É tudo à peça, e é quando aparece. Há muito que as empresas andam na retranca. Mesmo no tempo das vacas gordas, as empresas já jogavam nas encolhas. Quanto mais em tempos de vacas magras! Ele e o tio de Cascais têm uma grande história para contar. As avenças deles são outras. Avenças! Enquanto houver língua, ninguém morre à míngua. Que é feito da Rainha Santa Isabel de Cascais? Essa anda muito caladinha. Onde é que ela pára? A tipa já nao pede um governo de Salvação Nacional. Antes, convinha. Bom povo português! Soares é fixe. Olhe que não. O Homem é o único animal que. Não precisamos do sal para nada. É só para melhorar o paladar. Nem do açucar. Nem do álcool. Nem, nem e nem. Roubaram-me a carteira! Foi na carreira do eléctrico 28. Coitados dos turistas. O telefone retiniu. A superioridade moral dos comunistas. A superioridade moral da Esquerda. A superioridade moral dos vegetarianos. Gosto de filmes históricos. Gosto de queijo. Gosto do azul. Gosto de ler as aventuras de Sandokan. Gosto de ler as aventuras de Peter Pan. Gostava de reler A Marca dos Avelares. Gosto de. O Gostismo. Acho que. O Achismo. É minha opinião. O opiniãonismo. Não há dinheiro. A torneira secou. Não como carne vermelha. Agora só há gente de meia-leca. Já ninguém constrói. Pudera. Deu-lhe um apartamento em Cascais. A mulher nunca soube de nada. Pudera. O Tarzan do Quinto Esquerdo. Conhece o arguido? Um povo de invejosos e de caluniadores. O Império da Má-Língua. A galinha da vizinha é sempre melhor do que a minha. Quando o Mar Galgou a Terra. Quod non est in actiis non est in mundo.

 

Non ho l'età, non ho l'età per amarti

Non ho l'età per uscire sol a con te

 

E non a vrei, non a vrei nulla da dirti

Perchè tu sai molte più cose di me

 

Lascia chio viva una amore romantico

Nell'atesa che venga quell giorno ma ora no

 

Non ho l'età, non ho l'età per amarti

Non ho l'etá per uscire sola con te

 

Se tu vorrai aspertami

Quel giorno avrai tutto il mio amor per te

      O génio é isto, caramba. Somebody up there likes me. O céu é o limite. O mais velho. Os espaços que estão abertos e em aberto. O da Feira Popular. O do Parque Mayer. O do hospital Júlio de Matos. O do hospital Miguel Bombarda. Hasta quando? O seu a seu dono. Uma coisa de cada vez. Manjar dos deuses. As sardinhas assadas. Em Portimão. Ao ar livre. A céu aberto. Nas montras de certos restaurantes, vêem-se os passarinhos, depenados e horrivelmente espalmados. Alguém os come? Ele é maçom. Estão de cama e pucarinho. Com certeza, senhor. Claro que sim, senhor. Sou todo ouvidos, senhor. É evidente que. É óbvio que. O gajo era um facho do camandro. O diabo que o carregue. Que a terra lhe seja pesada. O tipo parece uma alma penada. Atingimos a fadiga fiscal. As atitudes inacreditáveis dos Portugueses no tempo das vacas gordas. Pela arrogância, pela petulância, pela jactância. Exemplos? O fulano ia todo importante, no seu automóvel, e não esteve com meias medidas: avançou sobre os cães, pertencentes a uma velha, e atropelou dois ou três. Numa rua deserta de uma cidade. O sacana nem sequer parou. Outro exemplo? Em vez de aceitar um emprego, a tipa preferiu ficar a receber o subsídio de desemprego. E, ainda por cima, ameaçou o ex-patrão com queixas às autoridades laborais. A sujeita era levada da breca. Mais um exemplo? Com a experiência e os conhecimentos adquiridos, abriu o seu próprio negócio e passou a fazer concorrência ao ex-patrão. Na mesma rua. A fartura faz a bravura. Fiquei com a pulga atrás da orelha. Ao menino e ao borracho, Deus põe a mão por baixo. Sexo ao lado da necrologia. Haja respeito. Ao menos pelos mortos. Há mais impostos na calha? Estamos fritos! São provas meramente circunstanciais. Há couratos. Nem pensar!

 

Ó tempo, volta pra trás

Dá-me tudo o que eu perdi

Tem pena e dá-me a vida

A vida que já vivi

Ó tempo, volta pra trás

Mata as minhas esperança vãs

Vê que até o próprio sol

Volta todas as manhãs          

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por flagrantedeleite às 12:57
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Quinta-feira, 4 de Outubro de 2012

CORRENTE DE CONSCIÊNCIA (episódio 1)

    Toque de alvorada. Honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere. Eu sou o pão da vida, que se prova e não se sente fome, o que sempre beber do meu sangue, viverá em mim e terá a vida eterna. Diz-me lá os teus pecados, menino. Senhor padre, eu. Lá vamos, cantando e rindo, levados, levados, sim. O povo é sereno. Heróis do mar, nobre povo, nação valente. João de Deus. Cartilha Maternal. Ele lê pela cartilha. Ele não dispensa a cartilha. A Cartilha do Marialva. Por um euro, o que é que tu queres, pá? Ópera?! A  ave. E  égua. I  igreja. O  ovo. U  uva. Em quem pensaste, menino? Não posso dizer, senhor padre. Para Angola, rapidamente e em força! Batem leve, levemente, Como quem chama por mim, Será chuva? Será gente? Gente não é certamente E a chuva não bate assim. Pai, sou ministro. Tarzan e as Amazonas. Mais vale um safanão a tempo do que deixar o Diabo à solta no meio do povo. Johnny Weissmuller ou Lex Barker? Raras vezes tenho dúvidas e nunca me engano. Maria, tota pulcra est. Na Cova da Iria. Daniel na cova dos leões. Atrás de mim virá quem bom de mim fará. E o Gordon Scott? Também foi Tarzan. Ainda meio ensonada  A bela vila de Pinheiros  Acordou alvoroçada Com o toque de alvorada  Do quartel dos bombeiros. 1700 Euros mensais. Não sei se ouviram bem?! 1700 Euros mensais! Tutto bene, Mamma!

 

CRUCIFIXO

 

Minha mãe, quem é aquele

Pregado naquela cruz?

- Aquele, filho, é Jesus...

É a santa imagem d'Ele.

 

- E quem é Jesus? - É Deus!

- E quem é Deus? - Quem nos cria,

Quem nos manda a luz do dia

E fez a terra e os céus.

 

E veio ensinar a gente

Que todos somos irmãos

E devemos dar as mãos

Uns aos outros, irmãmente:

 

Todo amor, todo bondade!

- E morreu? - Para mostrar

Que a gente, pela verdade,

Se deve deixar matar.

 

   Um povo honesto, corajoso e trabalhador. Sei muito bem o que quero e para onde vou. O Mundo mudou. O vento mudou. Ele mudou. Já não é o mesmo. Sanctus, Sanctus, Sanctus, Domines Deus Sabath pleni sunt caeli et terra Gloria tua. Os três princípios básicos do Direito, segundo o Digesto. Me Tarzan, you Jane. Morreram com as colheres atravessadas na boca. Deus fez a comida, o diabo os cozinhados.

   - Vai um copo?

   - Não, obrigado. Quando tenho fome, bebo leite; quando tenho sede, bebo água. 

      22 anos da minha vida. 22 anos queimados, nesta empresa. Eu era uma jovem. E agora dão-me um papel para o subsídio de desemprego. Já viu isto? Diz-me lá os teus pecados, menino. Senhor padre, eu. Em quem pensaste? Não posso nem tenho que dizer, senhor padre. Sou velha para trabalhar, e nova para me reformar. Já viu isto? Ó Evaristo, tens cá disto? A solução passa necessariamente por. Dito isto.

     - E=mc2. Sabe o que é isto? 

     - Não, não sei. Não estudei isso no meu curso de Física.

     Isto, bem dividido, dá para todos. Rock around the clock. Olhe que não é Rock à volta do relógio. Around the world in eighty days. Mas que gaja tão boa, a D. Isaura. Dizem que o tipo nasceu no saco. No saco? Saco de plástico? Não, saco amniótico. Ou a bolsa amniótica. Lei da Gravitação Universal. Onde estava no dia 25 de Abril? Estava na barriga da minha da mãe e já trabalhava nos cornos. O Mundo Nos Seus Braços. O mundo livre. O mundo a seus pés. Os seis irmãos são muito prendados. Todos escrevem e todos publicam livros. São muito dotados. São uns sabões. Uns tudólogos. Todos Os Irmãos Eram Valentes. Todos Morreram Calçados. Um por todos e todos por um. Orgulhosamente sós!

 

No plaino abandonado

Que a morna brisa aquece,

De balas trespassado

- Duas de cada lado-

Jaz morto, e arrefece.

 

   O génio é isto, caramba. Estou confortavelmente sentado em cima de um milhão de livros vendidos. Mesmo no mais alto trono do mundo, estamos sempre sentados sobre o nosso rabo. O padre anda a pôr-se nela. O gajo não olha a meios para atingir as saias. E o marido? Chapéus há muitos, seu parvalhão. Ele anda positivamente a apanhar bonés. Deu-lhe a sinistrose. Deu-lhe forte e passou depressa. Ah, se fossem causas de morte súbita: a inveja, a mentira, a calúnia, a difamação, a arrogância, a hipocrisia, a ganância, o oportunismo. Não haveria cal viva que chegasse! Nem valas comuns! Nem fornos crematórios! Nem as três coisas juntas! Cá se fazem, cá se pagam. Deus não dorme. Doa a quem doer. Haja o que houver. Faça-se o que se fizer. Custe o que custar.

     SHANE

    Shane é o herói assumidamente clássico. Shane é o herói que, na contabilidade do Bem e do Mal, não hesita nem tergiversa. O Bem é o Bem, e o Mal é o Mal. Não há mas nem meio mas. E a opção de Shane pelo Bem é clara, inequívoca e sem rodeios. E, para o provar, conta com a destreza do punho e a certeza da bala. Shane é o herói cujo passado ninguém conhece e o futuro é sempre uma incógnita. Viver de passagem é a sua grande tragédia. É de passagem que Shane deixa uma mulher inutilmente apaixonada. E é de passagem que Shane despacha um ajuste de contas final. As suas feridas, do corpo e da alma, se é que as tem, encarrega-se ele próprio de as curar. Como convém a um herói assumidamente clássico.      

 

   O génio é isto, caramba. A Pátria não se discute. Angola é nossa! Angola é nossa! Grândola vila morena, terra da fraternidade.

    - Senhor Dr. Juiz, eu era retornado...

    - O senhor era retornado e continua a sê-lo. Retornado é uma qualidade que não se perde.           

         Qual   o preço   desta   montra  final? As gajas são muita boas. Aquilo é televisão pública? Olhos nos olhos. Há uma linha que separa. A Rapariga do Rio Pó. Nos seu olhos é sempre meia-noite! O Eixo da Má-Língua. África Minha. Dizem que ela tem uma casa em Marrocos. O Povo Unido Jamais Será Vencido. ALIANÇA POVO MFA. Ele tem muitas avenças. E o escritório? Aos costumes, nada disse. Quosque tandem, Catilina, abutere patientia  nostra? É a África ao virar da esquina. África aqui ao lado. O Império do Mal. O Império dos yahoos.  

    - Quando quer impressionar, que escritor costuma citar?  

    - Costumo citar Margarida Ana Rui Inês Pinto Cristina José Ferreira Esteves Rebelo Magalhães Cardoso Rodrigues dos Santos.

         E o Jeep? No Reino da Calúnia. No Reino da Dinamarca. No Reino de Caliban. No Reino dos Cucos. O Eixo dos Sentidos. Bardamerda para o fascismo. É só fumaça! Os concorrentes são pequenos, redondos e anafados. E desdentados. E desalinhados. E desajeitados. É o Portugal profundo. É o que há. É o que os novos tempos permitem. É o que a crise deixa passar. Não gosto de ser sequestrado. Ser sequestrado é uma coisa que me chateia.

 

         A LOJA DO SENHOR SANTOS     

         A loja do senhor Santos é uma reminiscência antiga e persistente. Tal como outras reminiscências, trago-a da minha infância sem ódio nem rancor. O senhor Santos era um lojista que aliava o dom da oratória ligeira à técnica da venda fácil. O senhor Santos vendia e filosofava ao mesmo tempo. Do abrir ao fechar da loja, o senhor Santos nunca parava. Nem de palrar nem de facturar. À enorme distância de sete décadas, o senhor Santos era um fala-barato com auditório garantido. Era o Santos sem metafísica. O genuíno Santinhos: baixo, redondo e anafado. Nas intermináveis férias do Verão apareciam os três filhos, que, por desfastio e desenfado, davam uma mãozinha no aviamento.  O mais velho, o Hélder, depois de aviar as clientes ao balcão, metia-as no armazém ao lado e aviava-se. Não sei se todos os irmãos eram valentes. Só sei que todos morreram calçados e de morte macaca. Em coisa de meses, os três bateram a bota de enfiada e quase jovens. O mais novo, o Noel, foi-se de maleita ruim, que normalmente é prolongada, mas que no caso dele foi num ai. Ao do meio, o Pedro, também tratado por Pedrinho, não deu tempo nem para um ai, nem para um ui. Deu-lhe o badagaio. O dito Hélder foi colhido, para sempre e em contramão, no Centro da cidade grande, onde, por sinal e por ironia, se dizia que era esculápio e vivia de bom rédito. Esta é a história exemplar e verdadeira de uma família portuguesa, que, com toda a certeza, também punha o vinho sobre a mesa.  

 

      O génio é isto, caramba. A gaja foi mostrar Nova Iorque aos netos. Em plena crise. Portugueses! Resumindo: a classe média suspirou de alívio. Só que a prosperidade era falsa. Só que o dinheiro não resultava do nosso crescimento económico. Só que o nosso crescimento económico foi anémico no período do regabofe consumista. Só que fizemos a festa com o dinheiro dos outros. Só que o dinheiro era sobretudo emprestado. Só que a conta, mais dia, menos dia, havia de chegar. Quando regressou, ela tinha a factura à sua espera. Ficou pior do que uma barata tonta. Quase lhe deu o Amoque. A velhice é uma coisa triste. A única boa notícia é que, este ano, o vinho vai ser bom. E o bagaço? Há passarinhos. 

   - Tem casa? Paga contas de luz, água, gás, além das prestações ao banco?

   - Sim.

    - Então é um homem apertado. Como vê, eu sou um homem livre. Como vivo na rua, não tenho contas a pagar. Vivo ao relento e não tenho problemas. Não vivo apertado. 

     Se me perguntam. Há codornizes. Vamos fazer mais do que a troika pede ou exige. Temos muitas e boas ideias para o país. A troika gostou de ouvir os nossos técnicos, nas negociações. Há pipis. O apresentador, também. Mas esse tem a quem sair. Quem sai aos seus, não degenera. Ah, poder ser tu, sendo eu! Ter a tua alegre inconsciência, e a consciência disso!  O génio é isto, caramba.

 

    Quis o Destino que a ascensão, alegre e triunfal, da classe média portuguesa começasse por um dirigente social-democrata, Aníbal Cavaco Silva; quis também o Destino que o declínio, lúgubre e sombrio,  da mesma classe, começasse por um outro dirigente social-democrata, Pedro Passos Coelho. O primeiro trouxe-nos a fartura; o segundo apresentou-nos a factura. O resto é o filme que estamos todos a ver neste momento.  

 

 

publicado por flagrantedeleite às 12:46
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