Alfred Hitchcock não era homem para falar da política, nos seus filmes. O Mestre achava que o público não aderia às questões políticas, quando tratadas no cinema. São do cineasta estas palavras, respigadas do famoso livro, HITCHCOCK diálogo com TRUFFAUT, (Publicações D. Quixote, 1987, pgs. 251, numa excelente tradução de Regina Louro): (...) O cinema americano aborda os assuntos sociais e políticos desde há muito tempo. Aliás, sem atrair multidões de espectadores.
No entanto, aqui e ali, o autor de Janela Indiscreta foi fazendo pequenas excepções a essa quase regra de ouro de não se referir especificamente à política, nas suas películas. A mais célebre das excepções terá acontecido em O Homem Que Sabia Demais - 1ª. versão, de 1934, é bom ter presente. Num diálogo entre Mr. Gibson (Secretário do Min. dos Negócios Estrangeiros, inglês) e Mr. Lawrence (o protagonista) são do primeiro a seguinte pergunta e as consequentes reflexões: Diga-me, em Junho de 1914, ouvira falar de um sítio chamado Sarajevo? Claro que não. Aposto que nem ouvira falar do Arquiduque Ferdinando. Mas, num mês, porque um homem, que desconhecia, matou outro homem, que desconhecia, num sítio de que nunca ouvira falar, este país entrou em guerra. Claro que Mr. Gibson estava a fazer alusão concreta à Primeira Grande Guerra. Mas havia, também, no que ele disse, uma referência subliminar, mas certeira e premonitória, à Segunda Guerra Mundial, que, como se sabe, eclodiu 5 anos depois, ou seja, em 1939.
A História é o espelho em que nos devemos rever, de vez em quando, e retirar daí as necessárias e sempre úteis lições ou ilações. Até porque, e ao contrário do que alguns pensam, a História repete-se. As mesmas causas produzem os mesmos efeitos. Não se pretende fazer aqui extrapolações precipitadas, mas a situação da Grécia pode e deve merecer do mundo uma particular atenção. A mesma atenção que Sarajevo devia ter merecido, há 98 anos atrás, e não mereceu. Ou a mesma atenção que a ascensão nazi, na Alemanha, em 1933, devia ter merecido e não mereceu. Em ambos os casos, com os resultados que se conhecem.
Voltando à Grécia, e antes de tudo o mais, convirá não esquecer que este pequeno país, onde reside a matriz cultural do Ocidente, tem uma história recente, recheada de conflitos e de turbulências, e está situado próximo de uma zona geopolítica bastante sensível: os Balcãs. Quase ao lado, estão o Chipre e a Turquia, e um pouco mais para o norte fica a Rússia. Portanto, uma vizinhança que, em conjunturas políticas intrincadas, justificam os piores receios. E, insistindo ainda na Grécia, é óbvio que o país atravessa momentos difíceis e complicados, quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista social: há cinco anos que a economia grega tem vindo a decrescer; nos últimos dois anos, a Grécia foi objecto de dois resgates económicos e financeiros, acompanhados de severas medidas de austeridade; os Gregos estão a sentir na pele, e de forma trágica, os efeitos devastadores dessas medidas de austeridade, nomeadamente, pelo desemprego e pelo rápido e acentuado empobrecimento. Entre os Gregos espalha-se uma revolta larvar contra os que, em sua opinião, os conduziram ao actual estado de coisas, e são muitos os que, para além de outros sonhos desesperados, advogam a saída da Grécia da zona Euro. O que seria ainda mais catastrófico, não só para a economia helénica, mas sobretudo para os restantes países da mesma zona, em particular, os países do Sul da Europa, cujas economias, também elas, passam por fases pouco recomendáveis, e seria, por conseguinte, inevitável o contágio, ou efeito dominó. Por isso a saída da Grécia da zona Euro e o regresso à dracma redundariam num grave problema, para a sobrevivência da moeda europeia e da própria zona Euro, com consequências económicas, sociais e políticas totalmente imprevisíveis.
Mas a continuação da Grécia, na zona Euro, também não é menos problemática. Ainda que ressurja uma enorme vontade, da parte dos países mais ricos da zona Euro, de conservar a Grécia na sua companhia, e isso não é para já de uma evidência muito clara, subjacente a tal vontade estaria sempre uma condição: a de a Grécia crescer economicamente, libertando esses mesmos países ricos, isto é, os seus contribuintes, da pesada factura que representa para eles um país em permanente e perigosa recessão. Ora não é líquido que tal retoma económica venha a ter lugar nos anos mais próximos. Por outras palavras: nada garante que a Grécia voltará, tão cedo, ao crescimento, mesmo que renegociados os termos das actuais intervenções económicas e financeiras, ou mesmo que decididos outros e novos resgates. E, persistindo ou agravando-se a situação da Grécia, com austeridades atrás de austeridades, seguidas de mais recessões, estarão lançadas as achas para a fogueira que constituirá a manutenção da Grécia na zona Euro. E com os mesmos efeitos de contágio para os países do Sul da Europa: Portugal, Espanha e Itália. Deste modo, e faça-se o que se fizer, a Grécia será nos tempos que vão correndo uma questão bem complexa e de solução bem mais complexa. Enquanto isso não sucede, a Grécia é uma vizinha que nos deverá alarmar muito seriamente. Ou, pelo menos, preocupar!
Os brasileiros adoram o exercício da transgressão da língua portuguesa. Praticam-no pelas mais diversas razões. Por ignorância, por snobismo e por arrogância. E, durante longas e largas décadas, permitiram-se os mais inconcebíveis desaforos, no domínio da língua portuguesa. Sem qualquer respeito pelos demais usuários do idioma luso e completamente indiferentes ao que, pelo menos os portugueses, poderiam pensar e dizer sobre essa matéria. Entre outras insanidades, acharam que as consoantes mudas não passavam de ninharias; encararam alguns acentos como pormenores insignificantes; viram no hífen um mero apêndice e tomaram certas maiúsculas como autênticas redundâncias. Tudo isto foi acontecendo gradual, sistemática e paulatinamente à língua portuguesa. À morfologia e à sintaxe da língua portuguesa. Mas especialmente à ortografia da língua portuguesa que, para determinados linguistas, é uma outra realidade que nada tem a ver com a realidade de uma língua. (Qual será a realidade linguística do Latim e do Grego antigo, línguas oralmente mortas?) Adiante. De tal forma que, a páginas tantas, já não se sabia bem que língua se falava e se escrevia no Brasil: português, brasileiro ou brasilês.
Os brasileiros dizem-se grandes apreciadores de Luís de Camões, Eça de Queiroz e Fernando Pessoa e acredita-se que sim. No entanto traduzem e transfiguram graficamente as criações desses nossos ilustres clássicos para que possam ser ainda mais apreciados no Brasil.
Os brasileiros só admitem publicar escritores portugueses que se queiram adaptar à grafia e aos maneirismos do português escrito e falado no Brasil. O que os escritores portugueses aceitam com poucas, conhecidas e honrosas excepções.
Os Brasileiros riem-se de termos portugueses, como troço, padaria e rapariga, e, relativamente a esses e outros termos, não conseguem conter nem disfarçar a vontade de escarnecer.
Encurtando razões: depois desses e doutros escárnios a que fomos sendo sujeitos, os brasileiros levaram ainda mais longe as suas veleidades linguísticas e culturais, em relação a nós, os portugueses. Tão simples como isto: os brasileiros vieram pedir-nos, ou impor-nos, um Acordo Ortográfico que, de uma penada, acabasse com as consoantes mudas, o pê, o bê e o cê, e pusesse fim, em muitos casos, ao hífen, às maiscúlas e aos acentos. Ou seja, um Acordo que, segundo os seus doutos defensores, viesse unificar a grafia da língua portuguesa, grafia essa que os próprios brasileiros se tinham previamente encarregado de desunir. Quer dizer: fizeram o mal e a caramunha. Primeiro, estragaram, e em seguida, vieram exigir que aceitássemos o que haviam estragado.
Foi esse Acordo Ortográfico que gente, com nenhum apreço ou amor pela língua portuguesa, negociou e aprovou com os brasileiros, em conciliábulos de que nada ou quase nada se sabia. Um Acordo que resultou de um ultimato, sob pena de, no Brasil, a língua portuguesa passar a chamar-se língua brasileira (E depois?). Um Acordo em que, no português do Brasil, nada, ou quase nada, muda, e em que, no português lusitano, tudo ou quase tudo muda. Um Acordo que não tem minimamente em conta as origens matriciais da língua portuguesa, e que transforma esta como se transforma um qualquer produto mercantil. Um Acordo que exprime a mais completa submissão da língua portuguesa aos interesses e aos ditames dos brasileiros. Em suma: um Acordo que chocou os portugueses, quando o viram, escarrapachado, nos telejornais, e quando o descobriram, pespegado, em alguns periódicos nacionais. Mais concretamente: quando os portugueses foram confrontados, entre atónitos e horrorizados, no meio de muitas outras pérolas, com espetador em vez de espectador, com setor em lugar de sector, e com direto em substituição de directo.
Claro que há portugueses que aceitam o Acordo Ortográfico. Mas há também muitos portugueses que o abominam e o rejeitam. Portugueses que vêem objectivamente no Acordo Ortográfico uma atrocidade cometida contra a língua portuguesa, e contra si mesmos. Portugueses que tão-somente não querem que se lhes mexa na língua. Temos, por outro lado, um Acordo Ortográfico que na grande maioria da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) nenhum país aplica ou mostra intenção de aplicar.
Por isso tudo, estamos perante um Acordo Ortográfico que, na prática e em teoria, não é acordo nenhum e que, longe de unir, só vem dividir. Divide os portugueses, entre si, e divide os falantes da língua lusa, entre si. Por isso tudo, o Acordo Ortográfico não tem pernas, nem patas para andar, e, muito menos, asas para voar. Por isso tudo, é um Acordo que nasceu torto e nunca se há-de endireitar. Por isso tudo, o Acordo Ortográfico deve ser pura e simplesmente revogado por Portugal que é, em última análise, o criador da criatura.
Há momentos, na vida de um país e de um povo, em que é preciso dizer não aos ultimatos, e Portugal e os Portugueses vivem um desses momentos. Afinal de contas, entre a nossa língua e os nossos feriados, a distância pode ser do tamanho de um pequeno fósforo. Basta o que já basta!
A Revolução dos Cravos, que em boa hora abriu caminho à liberdade e à democracia, trouxe no seu programa três bandeiras então muito caras à classe média, os chamados três D's: Descolonizar, Democratizar e Desenvolver. A classe média, entretanto no poder, fez como pôde e soube, as três coisas. Para começar, e ultrapassando o primeiro D, o de Descolonizar, deu rapidamente a independência a quase todas as possessões ultramarinas portuguesas. A independência de Timor Leste, que, contra a vontade da classe média, ficou para mais tarde, foi uma das causas em que esta se empenhou de alma e coração, e foi, também, uma das suas maiores vitórias políticas.
Nos primeiros 2 anos, que se seguiram à Revolução do 25 de Abril, a vertente militar e esquerdista da classe média imperou na cena política portuguesa. Contudo a ala civil, ou civilista, mais democrática e mais pacífica, reclamou para si todo o poder, o que conseguiu, mandando depois os militares para o seu habitat natural: os quartéis. Esta mesma tendência da classe média, significativamente maioritária, e tendo sempre presentes os mencionados três D's do Programa do Movimento dos Capitães, deu especial atenção ao segundo D, ou seja, o de Democratizar. O voto, secreto e universal, expresso nas urnas, passou a ser a arma preferida da classe média. E por isso ela criou e divulgou o slogan: O VOTO É A ARMA DO POVO. O ciclo imparável do sufrágio popular foi iniciado com a eleição da Assembleia Constituinte, que debateu e aprovou democraticamente a nova Lei Fundamental do país. A classe média ficou deste modo constitucionalmente vingada. Isto é, ela fez o ajuste de contas, longamente esperado, com a Constituição de 1933, imposta por Salazar, e nas condições já referidas.
Consolidada a democracia, e sem esquecer que lha faltava ainda cumprir o terceiro e o último D, o de Desenvolver, a classe média virou-se finalmente para o sonho, que há muito acalentava: a ex-CEE, ou traduzindo, Comunidade Económica Europeia, hoje, União Europeia. Fazer parte da Europa era uma aspiração profunda e antiga da classe média portuguesa. Mais: a Europa integra o ideário político, social, económico e cultural do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, formações partidárias em cuja essência reside a classe média portuguesa, e que esta vem elegendo, cíclica e alternadamente, para a governação do país. É pois, neste quadro, que a classe média delegou todas as suas ambições europeístas num dos seus mais esforçados representantes, o Dr. Mário Soares, o qual, enquanto Primeiro-Ministro e líder do Partido Socialista, correu todas as importantes capitais da Europa, em busca da nossa entrada nesse clube, que, à época, e com excepção da Grécia, era um exclusivo de países ricos.
A admissão de Portugal, na Comunidade Europeia, foi assim outra das coroas de glória da classe média portuguesa, e o gigantesco afluxo dos fundos comunitários ao país, daí resultante, ao longo dos anos imediatos, permitiu-lhe concretizar os seguintes objectivos fundamentais: em primeiro lugar, fez uma significativa promoção económica, social e profissional de si mesma; em segundo lugar, ergueu o Estado Social, inspirado no Modelo Social Europeu, e que ela própria inscrevera na Constituição da República; por fim, e sem falarmos das milhentas rotundas, piscinas e Palácios da Justiça, que brotaram como cogumelos, a classe média abraçou um número considerável de empreendimentos, onde deixou a sua marca inconfundível, a saber: a dotação ao país de uma das redes de auto-estradas mais modernas e completas do mundo; a construção, por atacado, de 10 estádios de futebol, visando o Euro 2004; a organização da Expo 98, que implicou, por um lado, a edificação de um complexo urbano, de proporções ciclópicas e que alterou radicalmente toda a fisionomia da zona oriental de Lisboa, e, por outro, a construção de uma segunda travessia sobre o Tejo, a ponte Vasco da Gama; o Centro Cultural de Belém, um símbolo Cavaquista cujo custo final excedeu as previsões mais pessimistas; o Metropolitano do Porto, além de tudo o mais, um sorvedouro crónico e insaciável de dinheiros públicos; e, enfim, o alargamento do Metropolitano de Lisboa para quatro ou cinco vezes mais.
A crise, que nesse meio-tempo se abateu sobre as Economias Ocidentais, e em particular sobre a nossa, obrigou a classe média a pôr de lado três ambiciosos projectos, que já estavam na calha: o novo Aeroporto Internacional de Lisboa; o TGV, ou o Comboio de Alta Velocidade; e a terceira via sobre o Tejo. A mesma crise, que na Europa se manifestou, de forma drástica, pelas chamadas crises das dívidas soberanas, provocou já o resgate, económico e financeiro, de Portugal, com a imposição de medidas de austeridade, impiedosas e draconianas. Tais medidas, que estão a empobrecer seriamente a classe média, e ameaçar de forma irreversível as suas grandes conquistas, económicas e sociais, alcançadas nos últimos 20 anos, poderão condicionar e determinar, a curto e a médio prazo, o futuro político do próprio país. Os próximos meses, e não os próximos anos, serão decisivos. A todos os títulos!
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